Quando
Gabriela me convidou para escrever no seu blog, sobre “o que te faz bem", fiquei
por dias com a pergunta martelando em minha cabeça, até que a resposta veio...
-Compaixão!
Meu primeiro contato (que lembro), com a compaixão, veio quando
estava fazendo minha carteira de identidade... tinha 17 anos.
Estava na fila por horas, para resolver esta burocracia e observava um jovem cego
ao meu lado. Naquele tempo era preciso colocar um selo na carteira de identidade,
para designar quem era doador. Naquele momento "selei" minha carteira
de identidade. Saí radiante! Era agora uma pessoa com identidade, e também, doadora
de córneas.
Quando já estava na faculdade, informei a minha mãe, o meu desejo...
Se eu morresse jovem, ela deveria doar meu corpo, para pesquisa, na universidade.
Ela ficou horrorizada, porém, nunca vi sentido em deixar um corpo ser corroído,
embaixo da terra.
Meu segundo filho, e trouxe uma surpresa... Havia nascido
com má-formação e seus problemas eram muito graves.
Ainda ecoa em meus ouvidos, a dura frase que o
médico timidamente sussurrou... seu filho terá que
fazer transplante! Mil filmes, novelas, passaram-se em minha cabeça.
-Isto
não é verdade, pensava, porém, era verdade e nada mais restava, senão enfrentar.
Tive a grata oportunidade de doar meu rim a ele, quando
ele, por fim, adquiriu seus 10 quilos, contando na época, a remota idade, de um
ano e oito meses. Foi um presente que a vida me entregou...
A emoção mais linda que já tive, quando no dia posterior
ao transplante, fui levada de cadeira de rodas, para vê-lo. Eu nem podia
me mexer de tanta dor, e ele, com
uma cicatriz da cintura ao pescoço, cheio
de cateteres ,sentado na cama, brincava com seus
legos, energicamente, e cheio de vida, como
nunca havia tido...chorei de emoção e
alegria...
Foram 8 anos de tranquilidade, até que o meu rim se tornava
pouco para o menino que agora, desenvolvia. Foi necessário outro transplante.
Lembro que ele chorou com a notícia e me pediu se a cirurgia poderia ser feita com
linha colorida. Disse que sim e ele, aquietou-se.
Fomos chamados inúmeras vezes para o transplante,
mas nunca era compatível... vivíamos rezando, pedindo a
Deus por compaixão...Rezava para que as
pessoas doassem mais seus órgãos. Sentia-me mal, achando que
estava desejando que houvessem mais acidentes, mais mortes cerebrais e que as pessoas
tivessem mais consciência de doação. Misto de dor e compaixão. Momentos cruéis e
doloridos... mas, o que fazer? Meu filho era um amor de menino.
Então já com dez anos, recebemos o rim de uma menina, anencefálica, porém não obtivemos
sucesso. E de novo, entramos na fila do transplante. Não sabia mais o que fazer.
Quando se está na fila de um transplante, ela não anda...
De
novo, fomos chamados inúmeras vezes, até que o rim de um homem adulto, motoqueiro,
acidentado, veio para ele. Mas não adiantou, seus problemas haviam agravado e meu
filho, faleceu.
Como num exame de "terceira-época”, e perguntava
o que era preciso fazer, que não fiz... Entrei numa
"ONG" e fizemos palestras, sobre transplantes
nas escolas, bricks e quando criei
coragem, fui ao hospital da cidade falar
com o diretor para mostrar meu
interesse em trabalhar em prol do
hospital se tornar captador de órgãos
da região com uma ambulância
especializada para isto. Este homem, já falecido, desprezou minha ingênua
ajuda, assim como me ridicularizou, mostrando minha insignificância. Retirei-me
e adormeci minha compaixão. Com a pergunta de Gabriela,
foram sacudidas estas emoções. Está na hora de acordar, e compaixão
é um exercício a ser executado, e isto é o que me faz bem.
Lúcia Zanatta
Sábias palavras, belo sentimento. A compaixão é uma palavra um pouco esquecida nos dias de hoje. Falamos em caridade, solidariedade, amor, mas deixamos em segundo plano a compaixão. Compaixão vem do latim com - passione, passio significa SOFRER, com significa JUNTO. Compaixão significa isso: sofrer a dor do outro ou junto do outro. Ninguém, ninguém pode imaginar a tua dor e a tua luta por uma vida tão preciosa e depois por tantas vidas. Tua força me inspira, por pessoas como tu eu acredito num mundo melhor. Um beijo no coração.
ResponderExcluirAdayr Ribas,sem palavras,a vida é uma corrente,um sem o outro,não é ninguém!!!Beijo
ResponderExcluirCom certeza Lucia e Adayr! Cada um fazendo um pouquinho o mundo já se transforma! bjs
ResponderExcluirQuerida Tia Lúcia! Sem palavras para o belo texto, enchi meus olhos de lágrimas, pelas boas lembranças que pude ter deu meu querido amigo que tive na infância, a perda dela com certeza para mim foi muito forte também, pois como sabe que a ligação que tínhamos era muito grande,
ResponderExcluirSei de toda a batalha que foi para podermos deixar nosso baixinho o mais e possível,
Se todos pudessem em vida registrar sua vontade e desejo de doar os órgãos obviamente teríamos muito mais sucesso em tantos outros casos!
Belas palavras Tia! Um forte abraço!