19 fevereiro 2014

Doação de órgãos - Comunique sua família! Texto de Lúcia Zanatta


Quando Gabriela me convidou para escrever no seu blog, sobre “o que te faz bem", fiquei por dias com a pergunta martelando em minha cabeça, até que a resposta veio...
      -Compaixão!
       Meu primeiro contato (que lembro), com a compaixão, veio quando estava fazendo minha carteira de identidade... tinha   17  anos. Estava na fila por horas, para resolver esta burocracia e observava um jovem cego ao meu lado. Naquele tempo era preciso colocar um selo na carteira de identidade, para designar quem era doador. Naquele momento "selei" minha carteira de identidade. Saí radiante! Era agora uma pessoa com identidade, e também, doadora de córneas.
       Quando já estava na faculdade, informei a minha mãe, o meu desejo... Se eu morresse jovem, ela deveria doar meu corpo, para pesquisa, na universidade. Ela ficou horrorizada, porém, nunca vi sentido em deixar um corpo ser corroído, embaixo da terra.
        Meu segundo filho, e trouxe uma surpresa... Havia nascido com má-formação e seus problemas eram muito graves.
         Ainda ecoa em meus ouvidos, a dura frase que o médico timidamente sussurrou... seu  filho   terá   que   fazer   transplante! Mil filmes, novelas, passaram-se em minha cabeça.
-Isto não é verdade, pensava, porém, era verdade e nada mais restava, senão enfrentar.
          Tive a grata oportunidade de doar meu rim a ele, quando ele, por fim, adquiriu seus 10 quilos, contando na época, a remota idade, de um ano e oito meses. Foi um presente que a vida me entregou...
          A emoção mais linda que já tive, quando no dia posterior ao transplante, fui levada de cadeira de rodas, para vê-lo. Eu nem  podia   me  mexer   de   tanta  dor,  e  ele, com   uma  cicatriz  da cintura   ao  pescoço, cheio   de   cateteres ,sentado na  cama, brincava com   seus  legos, energicamente, e  cheio  de  vida, como   nunca  havia   tido...chorei   de   emoção   e  alegria...
         Foram 8 anos de tranquilidade, até que o meu rim se tornava pouco para o menino que agora, desenvolvia. Foi necessário outro transplante. Lembro que ele chorou com a notícia e me pediu se a cirurgia poderia ser feita com linha colorida. Disse que sim e ele, aquietou-se.
          Fomos chamados inúmeras vezes para o transplante, mas nunca era compatível... vivíamos   rezando, pedindo  a   Deus   por  compaixão...Rezava  para   que  as   pessoas doassem   mais   seus  órgãos. Sentia-me mal, achando que estava desejando que houvessem mais acidentes, mais mortes cerebrais e que as pessoas tivessem mais consciência de doação. Misto de dor e compaixão. Momentos cruéis e doloridos... mas,  o  que   fazer? Meu filho era um amor de menino. Então já com dez anos, recebemos o rim de uma menina, anencefálica, porém não obtivemos sucesso. E de novo, entramos na fila do transplante. Não sabia mais o que fazer. Quando se está na fila de um transplante, ela não anda...
De novo, fomos chamados inúmeras vezes, até que o rim de um homem adulto, motoqueiro, acidentado, veio para ele. Mas não adiantou, seus problemas haviam agravado e meu filho, faleceu.
           Como num exame de "terceira-época”, e perguntava o que era preciso fazer, que não fiz... Entrei   numa   "ONG"  e fizemos   palestras, sobre   transplantes  nas   escolas, bricks  e  quando   criei   coragem,  fui   ao  hospital  da  cidade   falar  com   o  diretor   para    mostrar  meu  interesse   em trabalhar  em  prol   do  hospital   se   tornar   captador   de  órgãos  da   região   com  uma   ambulância   especializada  para   isto. Este homem, já falecido, desprezou minha ingênua ajuda, assim como me ridicularizou, mostrando minha insignificância. Retirei-me e adormeci minha compaixão. Com  a   pergunta   de   Gabriela, foram   sacudidas   estas   emoções. Está na hora de acordar, e compaixão é um exercício a ser executado, e isto é o que me faz bem.

   Lúcia Zanatta

4 comentários:

  1. Sábias palavras, belo sentimento. A compaixão é uma palavra um pouco esquecida nos dias de hoje. Falamos em caridade, solidariedade, amor, mas deixamos em segundo plano a compaixão. Compaixão vem do latim com - passione, passio significa SOFRER, com significa JUNTO. Compaixão significa isso: sofrer a dor do outro ou junto do outro. Ninguém, ninguém pode imaginar a tua dor e a tua luta por uma vida tão preciosa e depois por tantas vidas. Tua força me inspira, por pessoas como tu eu acredito num mundo melhor. Um beijo no coração.

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  2. Adayr Ribas,sem palavras,a vida é uma corrente,um sem o outro,não é ninguém!!!Beijo

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  3. Com certeza Lucia e Adayr! Cada um fazendo um pouquinho o mundo já se transforma! bjs

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  4. Querida Tia Lúcia! Sem palavras para o belo texto, enchi meus olhos de lágrimas, pelas boas lembranças que pude ter deu meu querido amigo que tive na infância, a perda dela com certeza para mim foi muito forte também, pois como sabe que a ligação que tínhamos era muito grande,
    Sei de toda a batalha que foi para podermos deixar nosso baixinho o mais e possível,
    Se todos pudessem em vida registrar sua vontade e desejo de doar os órgãos obviamente teríamos muito mais sucesso em tantos outros casos!
    Belas palavras Tia! Um forte abraço!

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